A insegurança do Planejamento Tributário no Brasil

O Brasil é um país conhecido quando se fala a respeito da carga tributária, fama que gera receio e até mesmo pavor de investidores internacionais, e descontentamento dos contribuintes nacionais, que arcam com o alto ônus financeiro de desempenhar suas atividades aqui.

Desde que houve uma grande alteração no cenário da Justiça do Trabalho (reforma trabalhista), e agora com a fomentação da discussão a respeito da reforma tributária, muito se ouve falar a respeito do planejamento tributário como maneira de redução no pagamento de tributos.

Não é de hoje, e nem de ontem, que os operadores do direito buscam dentro da legislação e constituição, maneiras legais para possibilitar a redução dos tributos, entretanto, a discricionariedade dos órgãos fiscalizadores para validação do planejamento acaba por resultar justamente o contrário do que pretende o Código Tributário Nacional: insegurança jurídica.

A deficiência nesta segurança decorre de uma lacuna deixada pelo art. 116 do CTN:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

Como é possível observar, a legislação autorizou a autoridade fiscal a proceder com a desconsideração dos negócios jurídicos que, embora praticados com respeito à lei, atinjam o ordenamento jurídico no que diz respeito ao abuso de forma e de direito, sendo que sua aplicação depende de lei ordinária estabelecendo procedimento a ser adotado pela autoridade administrativa, o que até o presente momento não ocorreu.

Infelizmente, a falta da criação de lei ordinária deixou um “livro em branco” para a interpretação do FISCO com os procedimentos adotados pelos contribuintes que, aparentemente, não ofendem normas tributárias federais, o que causa uma indignação com os empresários e operadores do direito, sendo mais um fator para afugentar investimentos no País pela insegurança jurídica dela decorrente.

No entanto, como nas Palavras de LUÍS EDUARDO SCHOUERI[1]:

“Em síntese, o princípio da legalidade vedará que se inventem fatos. O contribuinte tem o direito de não incorrer no fato jurídico tributário. A norma geral antiabuso encontrará espaço, portanto, apenas quando se constatar que o fato jurídico tributário pode ter sido desnaturado por outros fatos, igualmente ocorridos, os quais acabam por impedir que se considere concretizada a hipótese tributária. Se os últimos fatos forem abusivos, poderá o FISCO autorizar a sua desconsideração.”

SCHOUERI e MARCO AURÉLIO GRECO[2], sustentam, em linhas gerais, que a verdadeira finalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN seria combater a situações que o contribuinte praticado atos ilícitos, mas sustentados em estruturas incoerentes com a causa, ou razão social, dos institutos utilizados, em que pese a utilização inapropriada do termo “dissimular”. Ademais, para GRECO, o referido termo deve ser compreendido como “ocultar ou encobrir com astúcia; disfarçar, não dar a perceber; calar; fingir; atenuar o efeito de; tornar pouco sensível ou notável; proceder com fingimento; hipocrisia; ter reserva; não revelar os seus sentimentos ou desígnios; esconder-se[3].

Logo existe uma linha muito tênue entre a “evasão fiscal” e a “elisão fiscal”[4], enquanto a evasão busca por meios ilícitos a redução ou não pagamento de tributos, a elisão busca por meios lícitos a redução ou não pagamento de tributos. Porém, as duas linhas possuem uma grande característica de distinção, qual seja, o momento do fato gerador.

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Versando sobre a jurisprudência administrativa (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais; CARF), este que rege a atuação dos auditores e fiscalizadores (FISCO), havia uma concepção mais abrangente aos planejamentos tributários, de modo que, caso os contribuintes observassem os requisitos previstos em lei para determinado negócio jurídico, o planejamento era considerado como legítimo[5]. O entendimento vigorou por muito tempo, porém se mostrou incompatível com a evolução das estruturas negociais, tendo em vista a validação de planejamentos onde o contribuinte se aproveitava de estruturas desprovidas de essência jurídica.

O contribuinte pode planejar seus negócios de modo a buscar a menor incidência tributária, mas isso não significa deturpar os ordenamentos de maneira a buscar esta redução a qualquer custo. O FISCO busca combater o ilícito e o incoerente, devendo o contribuinte se atentar a utilizar os institutos de acordo com a sua finalidade.

Para isso, o CARF em seus julgamentos busca sempre analisar e localizar a existência de propósito negocial e sua finalidade social. Entretanto, é importante destacar que o uso da expressão “propósito negocial” como alicerce para seus julgamentos não possui qualquer sustentação na legislação brasileira, sendo resultado da importação oriunda dos Estados Unidos[6], havendo sua aplicação de maneira equivocada no Brasil, uma vez que o caso concreto foi repleto de peculiaridade que não são vistas em nosso país. Portanto, cabe afirmar que a teoria do propósito negocial pode ser utilizada como indício, mas nunca como fundamentação para a desconsideração dos efeitos tributários nos negócios jurídicos praticados. Na mesma linha, destaca-se trecho de LUÍS EDUARDO SCHOUERI[7]:

Alheio a todo esse processo, o CARF passou a incorporar em suas decisões o tema de propósito negocial. Se de início isso se fazia sob o manto da dissimulação, casos mais recentes evidenciam que aquele órgão administrativo já vê referido instrumento incorporado ao Ordenamento, dispensando qualquer nova fundamentação. Simplesmente, invocam-se precedentes, que se tornam, desse modo, parte do Direito Vigente.”

O mesmo autor ainda critica que, a utilização do abuso de direito para fins tributários passou a ser considerada como ato ilícito[8]. Daí ser inaceitável cogitar de abuso do direito em matéria tributária: se o planejamento tributário se define por não se concretizar o fato jurídico tributário, então não há qualquer ‘direito da coletividade’ que possa ter sido afetado.

Ademais, nos julgamentos do CARF são suscitados os seguintes pontos para análise do negócio jurídico: tempo decorrido entre os atos e negócios jurídicos; existência de fato das pessoas envolvidas; operações com partes relacionadas; motivação exclusivamente fiscal; formas complexas ou poucos usuais.

Logo, cabe afirmar que não há devidamente um padrão para julgamento no âmbito do CARF, de modo que a jurisprudência em si não deve e não pode servir como fonte do direito para definição dos limites de atuação no planejamento tributário. Restando aos operadores e contribuintes buscar amparo na doutrina para sustentar o planejamento.

Ou seja, por mais que o planejamento tenha intenção de regularizar a atividade desempenhada, não existe sustentação para tanto, não obstando que o planejamento seja submetido a fiscalizações e, em caso de irregularidades apontadas pelo fiscalizador, o prosseguimento de execução fiscal, a qual muitas vezes é acompanhada de multa qualificada, que, além de ser onerosa pode ser levada para representações penais.

Sobre a cognoscibilidade da norma tributária, HUMBERTO ÁVILA aponta que a sua necessidade não objetiva apenas permitir o conhecimento das normas, mas também garantir a atuação do Estado, conforme trecho:

“Os contribuintes precisam saber de antemão qual é o significado das hipóteses de incidência. Não é um sistema de concreção como é o Código Civil para as atividades particulares que giram em torno da justiça cumulativa. O sistema tributário gira em torno de conceito mínimos para proporcionar coordenação. Mais que proporcionar coordenação, ele visa a proporcionar ou evitar que surjam problemas de conhecimento, porque, se não fosse assim, além de problemas de conhecimento, nós teríamos problemas relativos à falta de controle do poder. O fiscal sempre poderia dizer que aquela situação, por ele fiscalizada, é um pouquinho diferente da outra, e por isso concretizaria o conceito aberto na situação de fato. E nós sabemos o que isso significa em termos de insegurança.”[9]

De fato, a regulação da tributação existe para evitar o esgotamento daquilo que ela própria visa proteger: propriedade e liberdade. O cenário onde os jurisdicionados não conseguem saber as regras que regem a tributação, e que o FISCO possui liberdade indiscriminada para agir, inexiste segurança para a afirmação de que a tributação está cumprindo sua finalidade.

Essa margem abre muitas portas para o FISCO cometer abusos nas fiscalizações, ainda se utilizando de fundamentações que não possuem regramento no direito brasileiro ou princípios genéricos.

Logo, por mais que o planejamento atenda a todos os preceitos legislatórios, ainda há a possibilidade de existir eventual fiscalização, onde o fiscal teria grande liberdade para sua interpretação.

Sendo assim, o planejamento tributário requer análise e estudo para sua aplicação no caso prático, sendo imprescindível a atuação do profissional que possui domínio sobre assunto e que tenha capacidade para defender sua implementação em eventual fiscalização e processo administrativo.

[1] SCHOUERI, Luís Eduardo. “Planejamento Tributário: limites à norma antiabuso”. Revista Direito Tributário Atual, nº24. São Paulo: Dialética e IBDT, 2010. P.367.

[2] Idem. P.346

[3] Marco Aurélio Greco expressou essa definição do Dicionário Aurélio século, XXI, no verbete “dissumular”.

[4] “Consoante a distinção elaborada por renomados tributarias presentes ao XIII Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado no Centro de Extensão Universitária, a elisão consiste em “evitar, reduzir o montante ou retardar o pagamento de tributo, por atos ou omissões lícitos do sujeito passivo, anteriores à ocorrência do fato gerador”; ao passo que a evasão significa “evitar o pagamento de tributo devido, reduzir-lhe o montante ou postergar o momento em que se torne exigível, por atos ou omissões do sujeito passivo posteriores à ocorrência do fato gerador”. (In. MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Caderno de Pesquisas Tributárias, n. 14. São Paulo: Coed. CEU/Resenha Tributária, p.491.

[5] FAJERSZTAJN, Bruno; TOMAZELA SANTOS, Ramon. Planejamento Tributário – entre o positivismo formalista e os limites para a desconsideração dos negócios jurídicos. Revista Dialética de Direito Tributário. RDDT223:38, São Paulo: Editora Dialética; p.49.

[6] A concepção da expressão se deu com o julgamento histórico do caso Gregory vs. Helvering, que inaugurou na jurisprudência americana a ideia de que o planejamento tributário teria de ter um ‘business purpose’, isto é, outra motivação não tributária, ideia que se espalhou para outras jurisdições, inclusive a brasileira.

[7] SCHOEURI, Luís Eduardo, O refis e a desjudicialização do planejamento tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. RDDT232:103, São Paulo: Editora Dialética. P.115.

[8] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.

[9] “Planejamento Tributário”, conferência do Professor Humberto Ávila, proferido em outubro de 2006 perante o XX Congresso Brasileiro de Direito Tributário promovido pelo Instituto Geraldo Ataliba – Instituto Internacional de Direito Público e Empresarial – IDEPE, que está reproduzida na Revista de Direito Tributário n.98, p.82